A editora Antofágica quer que você descubra o prazer pelos livros clássicos

Amauri Terto
4 min readJan 20, 2021

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Clássicos para novos tempos. Essa é a filosofia da Antofágica, editora recém-nascida em um mercado que enfrenta profunda crise no Brasil.

A primeira aposta da empresa, que tem como publisher Daniel Lameira, ex-editor da Aleph e da Intrínseca, é a reedição de A Metamorfose, principal obra de Franz Kafka, publicada originalmente em 1915. A nova edição tem capa dura, texto de apresentação do cientista social e youtuber Otávio Albuquerque e 93 ilustrações inéditas do multiartista Lourenço Mutarelli.

“Esses novos tempos vêm junto com a concepção de tirar os clássicos do pedestal e colocá-los em um contexto do dia a dia de consumo”, conta Lameira em entrevista ao HuffPost. “Eu via as pessoas com medo dos clássicos e inferiorizadas pela importância de suas páginas.”

Para romper esse barreira cultural, Limeira afirma que a nova editora foi concebida para “ser mais uma produtora de conteúdo do que uma gráfica de livros”.

O conteúdo — criado para mostrar que o “clássico é legal” — é compartilhado pela editora em seus redes sociais. No canal oficial no YouTube, por exemplo, é possível acessar vídeos explicativos com títulos do tipo: O Poder de Uma Boa História, As Influências de Kafka na Cultura Pop, Afinal, o Que é Um Livro e O Que é Um Clássico? — que complementam a experiência do leitor.

Com time enxuto, a editora é composta, além de Lameira, por um investidor, o advogado carioca Sérgio Drummond — apaixonado por livros clássicos e dono de uma coleção com 30 mil exemplares; seu filho e sócio Rafael Drummond; e Luciana Fracchetta, responsável pela produção do conteúdo digital.

O nome curioso com o qual editora foi batizada não existe nos dicionários. Trata-se de uma referência a uma série de contos escritos na década de 1970 por Drummond, o sócio pai, e nunca publicados. As histórias inspiradas no realismo fantástico se passavam todas em uma cidade chamada Antofágica. “Etimologicamente, ela significa ‘comedor de flores’. É algo bonito, que tem a ver com experimentação”, explica Lameira.

Segundo o publisher, outro aspecto que a editora preza é o formato dos livros. “O tamanho, o acabamento, o tipo de papel usado, tudo isso passa uma mensagem sobre o que você acredita”, afirma. A Metamorfose tem capa dura e texturizada, o que deve se repetir nos próximos dois títulos que a editora deve resgatar nos próximos meses: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis, e Coração das Trevas (1899), de Joseph Conrad.

A inspiração do formato vem da Círculo do Livro. “Era uma coleção da década de 60, 70 e 80 de obras que você recebia junto com uma revista. E eles tinham essa unidade: livro de capa dura e com essa sensação tátil, que se tornou algo ligado a clássicos e muito afetivo pra mim”, recorda Lameira. “Quando eu sinto aquilo na mão eu já sei que tipo de livro estou lendo.”

Amazon e a crise no mercado editorial

Diante do cenário adverso do mercado editorial, a Antofágica optou por um acordo de exclusividade com a Amazon na distribuição dos títulos. A decisão foi tomada pensando na satisfação do leitor. “A Amazon tem um serviço indiscutivelmente muito bom”, afirma Lameira.

“Eles também têm uma vantagem que é apostar na compra dentro de um projeto que eles acreditam. Ao invés de consignar, como é de praxe no mercado, a Amazon faz uma compra firme de livros, o que viabiliza o projeto da editora”, explica.

Os títulos da editora não estarão nas prateleiras de grandes redes de livrarias, mas Lameira assegura que poderão ser encontrados em livrarias pequenas e independentes. “Acredito que elas têm papel cultural muito importante e não poderiam ficar sem [os volumes].”

Ele admite que a Amazon já foi vista como concorrente pelo mercado editorial brasileiro, mas hoje a situação é diferente. “Ela se tornou um porto seguro em um momento em que todas empresas deixaram os editores na mão”, afirma.

“Sei que amanhã isso pode ser diferente, mas o fato é que hoje ela é um player interessante para o mercado e que eu não vejo roubando espaço de outras livrarias de rua. E, ao mesmo tempo, ela atende tanto a editora quanto o leitor com um cuidado muito diferenciado”, afirma.

Apesar de lamentar a instabilidade no mercado editorial brasileiro, provocada essencialmente pela crise na Livraria Cultura e Saraiva, as duas maiores redes do setor no País, Lameira vê “esse movimento com otimismo”. “Essa crise fez com que a criatividade tivesse que emergir. E as novas ideias, que muitas vezes eram deixadas de lado por algum motivo, passaram a ser interessantes” explica.

“Agora as editoras estão cada uma buscando o seu público. Umas estão priorizando mais eventos, outras priorizando a criação de linhas mais coerentes no seu catálogo porque não precisam mais ocupar um livro em cada mesa da livraria. Agora é possível conversar com cada leitor pela internet, eventos e outros caminhos”, finaliza.

Publicado originalmente no HuffPost Brasil em 16 de junho de 2019

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