‘Todas as Canções de Amor’, um filme potente sobre começos e términos

Amauri Terto
4 min readJan 20, 2021

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Na década de 1990, Daniel (Julio Andrade) e Clarice (Luiza Mariani) enfrentam o término de um relacionamento de 6 anos. A fim de colocar a relação em pratos limpos, ela decide gravar uma fita cassete com canções românticas e pede para que ele a escute enquanto não deixam definitivamente o apartamento onde viveram juntos no centro de São Paulo. Nos anos 2000, Ana (Marina Ruy Barbosa) e Chico (Bruno Gagliasso), recém-casados, se mudam para o mesmo apartamento e acabam encontrando por acaso a tal fita. Escritora em início de carreira, Ana fica particularmente intrigada com a mixtape e decide escrever um romance baseado naquelas músicas e no que ela imagina ter sido a história de amor e de ruptura dos antigos moradores do apartamento.

Em linhas gerais, essa é a trama do filme Todas as Canções de Amor, estreia de Joana Mariani na direção de um longa-metragem, em cartaz no cinemas. Com direção musical de Maria Gadú, a trilha sonora do filme reúne pérolas preciosas do cancioneiro nacional e internacional. Samba do Grande Amor, de Chico Buarque; Ne Me Quitte Pas, na voz de Maysa; Não Aprendi Dizer Adeus, de Leonadro e Leonardo; e Chorando se Foi, hit de lambada da banda Kaoma, estão entre os temas populares que costuram a trama, mostrando que a música pode ser combustível potente nas discussões sobre desejos, medos e angústias que norteiam as relações amorosas — seja no início ou no fim delas.

Nesse contexto, a participação especial de Gilberto Gil, cantando ao vivo a música Drão, um hino sobre a constante transformação do amor, torna o filme ainda mais pulsante.

“Nós temos 4 atores em cena e um quinto protagonista, que é a música. É ela que faz o filme não ser uma grande DR. É por meio dela que o público sente essas histórias e esses amores”, afirma a diretora Joana Mariani ao HuffPost Brasil. Carioca radicada em São Paulo, Joana escreveu o argumento do filme tendo como ponto de partida uma história pessoal: o término de um relacionamento que foi embalado por boas músicas e onde houve “muito amor, muito respeito e muita alegria”.

Para a diretora, o diferencial desse quinto protagonista do filme — que faz o espectador criar conexão imediata — é sua não linearidade. “A mixtape de Clarice expressa a montanha-russa de sentimentos que a personagem está vivendo”, define.

Clarice realmente vive uma montanha-russa em Todas as Canções de Amor. Entre cigarros e garrafas de cerveja — de manhã, à tarde e à noite — , ela traz à tona nos dias finais o desequilíbrio da relação que viveu com Daniel, assim como questões questões mal resolvidas e também mal ditas.

Luiza Mariani rouba a cena na pele de uma personagem que transborda e não tem medo de abraçar o caos do incerto. “Essa personagem foi um desafio. Quando a Joana veio falar comigo, eu estava passando por um momento muito particular, me questionando como atriz. Eu também não sabia como seria esse encontro com uma personagem tão profunda”, conta a atriz, que recebeu o convite da prima cineasta com surpresa.

Luiza achava inicialmente que faria o papel da personagem Ana. “Mas no final, foi muito bonito. Porque ela [Clarice] veio pra dizer: ‘Está vendo? Dá pra ser potente. Você pode ser profunda, Você consegue fazer uma personagem que te desorganiza — no bom sentido’, conta.

Se Clarice vive o peso do desencanto de uma relação amorosa, Ana é a personagem que flutua sobre o ar de cumplicidade de uma nova vida a 2. Na telona, Marina Ruy Barbosa se mostra confortável na pele da personagem — sua estreia no cinema depois de adulta.

A explicação para isso talvez esteja na semelhança da história da atriz com a personagem, algo que ela mesma destaca. “Talvez daqui 20 anos eu me veja mais como Clarice. Mas como eu estava no início de um relacionamento [durante as filmagens], prestes a casar e morar definitivamente junto, eu acabei me aproximando muito da Ana.”

Para a atriz, a abordagem das relações amorosas proposta por Joana Mariani tem alto poder de ligação com o espectador, mas pode também sofrer influências do tempo. “Acredito que todo mundo se identifica com o filme de alguma forma porque todos nós já vivemos inícios e términos. Mas se hoje ficar emocionado em algum momento, tenho certeza que daqui um ano vai se emocionar com outra ou outras cenas.”

Na trama, a gravação de Clarice faz Ana colocar em perspectiva sua ligação com o marido, os sentimentos que nutrem um pelo outro, revelando em pouco tempo lacunas que podem também afastar o casal. “O tempo realmente muda as nossas emoções e maneira de enxergar a vida”, resume Marina, em total consonância com sua personagem.

Publicado originalmente no HuffPost Brasil em 17 de novembro de 2018

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